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Geral Amianto na saúde

Estudo revela impactos do amianto na saúde da população do sudoeste baiano

A avaliação médica e de imagem abrangeu 584 pessoas expostas à fibra. Para isso, a região recebeu em setembro passado a visita de uma equipe médica e de uma carreta-tomógrafo

10/04/2025 18h18
Por: Carlos Valadares
Foto: Divulgação
Foto: Divulgação
 
 

Foram entregues esta semana para os pacientes e para as autoridades locais os resultados do amplo estudo sobre os impactos da exposição ao amianto sobre parte dos 65 mil moradores da região sudoeste da Bahia impactados direta ou indiretamente pela exposição ao amianto. As secretarias municipais de saúde da região, com apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT), e em cooperação com a Associação Brasileira de Expostos ao Amianto (Abrea), a Associação das Vítimas Contaminadas pelo Amianto e Famílias Expostas (Avicafe), realizaram ação de rastreamento de doenças relacionadas ao amianto (DRA).

A avaliação médica e de imagem abrangeu 584 pessoas expostas à fibra. Para isso, a região recebeu em setembro passado a visita de uma equipe médica e de uma carreta-tomógrafo. Agora os laudos ficaram prontos e ações efetivas estão sendo cobradas para atender as pessoas que tiveram algum diagnóstico positivo ou sugestivo de doença relacionada ao mineral cancerígeno.

Do total de pessoas examinadas, 66 foram diagnosticadas com uma ou mais DRA. Entre a população atendida, 30% afirmaram ter tido exposição ocupacional ao mineral cancerígeno, enquanto os outros 70% foram expostos através do ambiente contaminado. A população examinada, no entanto, representa menos de 1% do total de habitantes da região (em torno de 65 mil pessoas), portanto é alta a possibilidade de mais enfermos. O trabalho foi realizado entre 2 e 20 de setembro de 2024 nos municípios de Bom Jesus da Serra, Caetanos, Poções e Planalto. O diagnóstico contou com a cooperação das equipes médicas do Instituto do Coração de São Paulo (Incor), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Hospital do Câncer de Barretos.

A procuradora regional e integrante do Grupo de Trabalho Amianto do MPT, Marcia Kamei, esclarece que as pessoas examinadas foram submetidas à tomografia computadorizada de baixa dose de radiação, recomendada para ações de rastreamento de câncer de pulmão e que radiação menor. Ela é capaz de identificar algumas doenças pulmonares e sugerir a realização de exames complementares, especialmente para cânceres, em seus estágios iniciais.. "O diagnóstico precoce é determinante para o sucesso dos tratamentos. Essa carreta tomógrafo serviu para mostrar que a saúde dessa população precisa ser monitorada mais de perto, até porque o período de latência de algumas doenças pode ser longo e requer essa vigilância continuada", pontua.

O mapeamento das pessoas expostas ao amianto foi realizado pelas secretarias de saúde dos municípios envolvidos. Para viabilizar essa ação de rastreamento, o MPT destinou mais de R$ 540 mil, a maior parte advinda de ações judiciais do MPT em São Paulo contra empresas que descumpriram a legislação trabalhista. A região foi um polo de exploração do amianto por quase 30 anos, através da mina de São Félix, ativa entre 1939 e 1967. Inicialmente operada pelo grupo francês Saint-Gobain, representada no Brasil pela empresa Brasilit, a mina passou para o controle da empresa Sama, que integra o grupo da Eternit S.A. Com operações encerradas desde 1969, não foram promovidas ações de remediação ambiental efetivas até o momento. Há uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) com recursos judiciais pendentes.

Meio ambiente - Mesmo com a mina fechada há quase 60 anos, o relatório aponta a presença inequívoca de contaminação do meio ambiente. Casas, fundações de edifícios, estradas e até mesmo lápides de cemitério foram construídas e pavimentadas com pedras de amianto, doadas pela empresa para a prefeitura e residentes da região. A área descoberta passou a servir de lazer para a população, que se banhava e realizava piqueniques no entorno, mas nada foi feito para impedir a dispersão das fibras do mineral no ar.

O médico da divisão de pneumologia do Instituto do Coração (InCor), do Hospital das Clínicas da USP, Ubiratan de Paula Santos, conta como se dá o problema da contaminação por amianto no local. "O amianto está presente nos trabalhadores da mina, em seus familiares e em todos os moradores locais. Isso porque a mina foi desativada em 1969, mas empregou milhares de homens, que moravam ali com suas crianças e mulheres. A fábrica também doava pedras de amianto para as pessoas levarem para casa, usarem nos quintais, nos pisos, no calçamento da rua", lembra.

A avaliação clínica culminou em recomendações para o poder público, indicando como dar continuidade aos cuidados. Os serviços municipais de saúde deverão continuar o acompanhamento dos diagnosticados com as DRA, encaminhando aos serviços secundários e terciários os casos que requeiram maiores cuidados. Estabelecerão um cronograma para repetir os exames periodicamente e fornecerão acompanhamento dos que tiveram resultados dentro dos padrões de normalidade. Todos os examinados deverão repetir a espirometria ainda em 2025 e o exame de raio X em 2026.

Recomendações - Outro resultado do trabalho de avaliação é um conjunto de recomendações ao poder público, nas esferas municipais, estadual e federal. O documento inca que o poder público deverá registrar os resultados em bases de dados como Sinan, SIM e Datamianto, montando um fundamento para futuras políticas públicas. Também deverá realizar esforços para a criação de um centro regional especializado em doenças pulmonares, com a infraestrutura necessária para o diagnóstico e tratamento.

O amianto é uma substância mineral encontrada na natureza. Apesar de possuir qualidades como material de construção, é altamente prejudicial à saúde humana, causando graves problemas ao pulmão. No Brasil, a utilização do mineral, em específico na sua forma de fibra tipo crisólita, foi banida em 2017 após resolução do Supremo Tribunal Federal (STF). A Organização Mundial de Saúde (OMS) sustenta que todas as variedades de amianto causam câncer, e estima que cerca de 50% das mortes por câncer ocupacional estão associadas à exposição à fibra. Não existe limiar seguro para a exposição humana.

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